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Cine Independência |
Minha infância na década de 80 e 90
foi marcada por idas e vindas a médicos e eventuais internações em hospitais.
Sofria de asma, bronquite que resultavam em pneumonias, muitas vezes leves que
eu chamava de “ameaços de pneumonia”. Coisas de criança como correr até dizer
chega, andar descalço ou tomar banho de chuva nunca deram bons resultados. No
dia seguinte, antes das cinco horas da manhã, meu pai estava na fila do antigo
INAMPS para retirar ficha pra consulta médica e minha mãe me levava a pé perto
das sete horas, muitas vezes já roxo de falta de ar. Isso sem contar nas muitas
alergias que tinha, fumaça afetava meus olhos, brincar na terra dava irritação
em minha pela e a mais terrível de todas, que preferia ignorar, o que eu
chamava de “intoxicação ao chocolate”. O que mais eu poderia fazer, ficar
encerrado em casa, entorpecendo-me de filmes, séries e desenhos, com eventuais
visitas ao cinema. Falando nisso, que saudades dos nossos cinemas de rua.
Conheci dois cinemas de rua:
Independência e Glória na década de 90, por pesquisa descobri que tivemos
outros como Theatro Treze de Maio onde
ocorreu a primeira sessão cinematográfica da cidade em 17 de fevereiro de 1898
trazida por Germano Alves responsável
por levar a magia do cinema a várias cidades do Rio Grande do Sul.
Até início da década de 1910 as apresentações
cinematográficas eram em lugares improvisados, sendo que, em 1908, surgiu um
espaço que mantinha a programação contínua: o Cinematógrafo Seyfarth, esquina da rua dos Andradas com Rio Branco,
antiga Cervejaria Seyfarth. Em 1911, inaugurou o Cinema Recreio Ideal no segundo andar do Theatro Treze de Maio, ambos não duraram muito tempo.
O Cine-Theatro
Coliseu Santamariense foi inaugurado em dezembro de 1911, num espaço de
madeira com boas acomodações ofuscando o nosso Treze de Maio, nesse período as
projeções foram ganhando espaço sobre as apresentações teatrais e musicais, se
tornando por algum tempo o nosso único cinema. Apenas em 1918, surgiu o Cine
Odeon com capacidade para 350 pessoas, localizado onde fica a Caixa Econômica
Federal no calçadão, encerrando suas atividades no mesmo ano. E pensar que
nesta época possuíamos cinema ao ar livre até início da década de 30.
Em 1935 foi inaugurado o Cine-Theatro Imperial que funcionou até 1979,
devido a retomada do prédio por herdeiros, já que era alugado, e falta de
lucro. Já em 1937, inaugurou o novo Cinema
Odeon, em uma sala do Clube Caixeiral,
de mesmo dono do Coliseu, os quais
foram fechados em 1940.
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Cine Independência (1922) |
O nosso saudoso Cine-Theatro Independência abriu suas portas em 15 de agosto de
1922 na Praça Saldanha Marinho, recebeu este nome em homenagem a comemoração do
Centenário da Independência do Brasil, contava com, aproximadamente, 48m de
profundidade por 40m de frente. Suas primeiras exibições de filmes mudos
contavam com uma orquestra. Na época possuía duas entradas, uma pela praça para
a elite da cidade e outra na lateral da rua do Comércio para os menos
abastados. Em 1946, o este cinema e o Imperial são adquiridos pelo Circuito
Cinematográfico Gloria, que foi o responsável pela inauguração do Cine Glória, no local onde ficava o
antigo Cine Coliseu na rua Roque Calaje, se tornando detentor de todas as salas
de cinema da cidade.
O cinema passou por várias
modificações até eu conhecê-lo na década de 90, com o nome de Cine Independência, passando de 2.000
para 1.350 cadeiras estofadas dobráveis para aumentar a área do palco para
teatro. A luta nas sessões era burlar o lanterninha, sim existia, e assistir ao
filme do mezanino e dê-lhe jogar pipocas no público do andar inferior. Conseguíamos
até mesmo ver novamente o filme pagando apenas um ingresso se novamente não
fossemos pegos. Lembro de reunir quase a turma toda do ensino fundamental,
Educandário, para ver o novo filme do Van Damme, Soldado Universal, que diversão
dentro e fora do cinema. No auge de sua decadência apresentavam peças e filmes
adultos. Sua última sessão foi em 27 de setembro de 1995 às 8:30h com o filme
Força em Alerta 2. Depois disso o prédio foi locado virando um templo religioso,
mesmo com a pressão da população para preservar nosso patrimônio cultural.
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Interior do Cine Independência na reinauguração em 1956 |
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Prédio do Cine Gloria |
Ficamos, então, apenas com o cinema
Glória desde 1959, mas ainda um ótimo cinema, contando com mais de 2.000
lugares em suas duas salas. Não demorou muito para ficarmos órfãos, terminou
suas atividades no ano de 1997, assisti dois filmes em sua última semana,
Teoria da Conspiração com Mel Gibson e Julia Roberts e Guerra de Canudos na
preparação para o vestibular, e a festa do vestibular de 1997 foi lá, Boate
Cinema, ainda havia algumas cadeiras, foi um misto de alegria e tristeza. Pude
relembrar estes tempos em Porto Alegre no Cine Imperial na rua dos Andradas,
hoje tombado e futuro Conjunto Cultural da Caixa.
O que pra mim era o ponto forte do
cinema, quantidade de lugares e tamanho, se tornou seu empecilho. As salas não
lotavam, muito em consequência das locadoras de VHS, como estou velho, onde podíamos
locar filmes e assisti-los várias vezes com a família, e a falta de segurança
do entorno dos cinemas. Não é de hoje que a praça Saldanha Marinho não é um ambiente
seguro. Amargamos quase um ano sem cinema até a inauguração do Cine Big, no
Shopping Monet, com míseros 400 lugares, mas já não era a mesma coisa, aquela
magia dos grandiosos cinemas, com a tela verdadeiramente grande, seu cheiro de
mofo suportável, atmosfera nostálgica, você sentava na poltrona e sentia a
história correr em sua frente, via como o cinema evoluiu junto com a cidade, podíamos
esperar a sessão ao ar livre comendo nossa pipoca, havia o namoro escondido, a bagunça
inocente dos jovens, enfim havia a sensação de coletivismo e hoje nos sentimos
sós na plateia.
Tiago com part. Eliana Santos
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Cine Imperial em Porto Alegre-RS |
Informações adicionais:
Era uma vez um cinema: o caso do Cine - Theatro Independência e os mecanismos de preservação do patrimônio de Santa Maria (RS) - Dissertação UFPEL, de Ananda Costa da Silva
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